A plenitude da bondade e da graça de Deus – Jonathan Edwards (1703-1758)
O termo glória,
aplicado a Deus ou a Cristo, tem, por vezes, o significado claro de comunicação
da plenitude de Deus e apresenta um sentido praticamente equivalente ao da
bondade e da graça abundantes de Deus. É o caso em Efésios 3.16: "para
que, segundo a riqueza da sua glória, vos conceda que sejais fortalecidos com
poder, mediante o seu Espírito no homem interior". A oração "segundo
a riqueza da sua glória" é, sem dúvida alguma, equivalente àquela que
aparece nessa mesma epístola, no capítulo 1.7: ("segundo a riqueza da sua
graça") e no capítulo 2.7: ("a suprema riqueza da sua graça, em
bondade para conosco, em Cristo Jesus"). O termo glória é usado do mesmo
modo em Filipenses 4.19: "E o meu Deus, segundo a sua riqueza em glória,
há de suprir, em Cristo Jesus, cada uma de vossas necessidades". Romanos
9.23: "A fim de que também desse a conhecer as riquezas da sua glória em
vasos de misericórdia, que para glória preparou de antemão". Nesse
versículo e nos anteriores, o apóstolo fala de como Deus revelou duas coisas:
sua grande ira e sua abundante graça. A primeira, nos vasos de ira (versículo
22) e a segunda, que ele chama de riquezas da sua glória, nos vasos de
misericórdia (versículo 23). Assim, quando Moisés diz: "Rogo-te que me
mostres a tua glória", ao conceder o que ele pede, Deus responde,
"Farei passar toda a minha bondade diante de ti" (Êx33.18,19).
Convém observar, em
particular, o que encontramos em João 12.23-32. As palavras e o comportamento
de Cristo, dos quais temos um relato nessa passagem, argumentam a favor de duas
coisas.
Que a felicidade e a
salvação dos homens foi o fim visado de modo supremo por Cristo nas suas obras
e nos seus sofrimentos. As mesmas coisas que observamos anteriormente (Capítulo
Dois, Seção Três), com referência à glória de Deus, também podem ser observadas
a respeito da salvação dos homens. Ao se aproximar das dificuldades mais
extremas da sua incumbência, Cristo se consola com a perspectiva de obter a
glória de Deus como o seu fim maior. E, ao mesmo tempo, e exatamente da mesma
maneira, a salvação dos homens também é mencionada como o fim dessas obras e
desses sofrimentos intensos, que satisfez a sua alma diante da perspectiva de
suportar tais coisas (Comparar os vs. 23 e 24; e também 28 e 29;vs.31e32.).
Tendo em vista que a
glória de Deus e as emanações e os frutos da sua graça na salvação do homem são
referidas por Cristo nessa ocasião exatamente do mesmo modo, seria bastante
estranho entender que ele estava falando de duas coisas distintas. A ligação é
de tal natureza que as suas palavras subsequentes devem, naturalmente, ser
entendidas como exegéticas [isto é, explicativas] em relação ao que ele disse
anteriormente. Ele começa falando de sua própria glória e da glória do Pai como
o fim maior a ser alcançado por aquilo que ele está prestes a sofrer; então,
explica e expande essa idéia naquilo que expressa acerca da salvação dos
homens, que será obtida por meio da sua obra. Assim, no versículo 23, ele diz:
"É chegada a hora de ser glorificado o Filho do homem". E, no que
segue, ele mostra claramente de que maneira seria glorificado, ou em que
consistia a sua glória: "Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de
trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, produz muito
fruto".
Assim como muito fruto
é a glória da semente, a multidão de remidos, decorrente sua morte, é a sua
glória. E, com referência à glória do Pai, vemos no versículo 27: "Agora,
está angustiada a minha alma, e que direi eu? Pai, salva-me desta hora? Mas precisamente
com este propósito vim para esta hora. Pai, glorifica o teu nome. Então, veio
uma voz do céu: Eu já o glorifiquei e ainda o glorificarei'.
Cristo foi grandemente
consolado pela certeza daquilo que a voz lhe declarou e sua alma até mesmo exultou
diante dos seus sofrimentos iminentes. A natureza dessa glória, na qual a alma
de Cristo foi de tal modo consolada nessa ocasião, é mostrada claramente nas
palavras do próprio Cristo. Quando o povo disse que parecia um trovão e outros
disseram que um anjo lhe falara, Cristo lhes explicou o significado da voz, nos
versículos 30-32: "Então, explicou Jesus: Não foi por mim que veio esta
voz, e sim por vossa causa. Chegou o momento de ser julgado este mundo, e agora
o seu príncipe será expulso. E eu, quando for levantado da terra, atrairei
todos a mim mesmo". Por meio do comportamento e das palavras do nosso
Redentor, nos parece que as expressões de graça divina na santificação e na
felicidade dos remidos são, em especial, a glória dele próprio e do seu Pai, a
alegria que lhe estava proposta, pela qual ele suportou a cruz e não fez caso
da ignomínia [Hb 12.1,2], e que essa glória em especial era o fim do trabalho
de sua alma, um fim que, ao ser alcançado, lhe deu satisfação (Is 53.10,11).
Trata-se de uma ideia
coerente com o que acabamos de observar acerca de a glória de Deus ser
representada com frequência como um resplendor, emanação ou comunicação de luz,
a partir de um luminar ou fonte de luz. O que mais pode representar de modo tão
natural e apropriado a emanação da glória interna de Deus, ou o fluxo e
comunicação abundante da plenitude infinita do bem que há em Deus? A luz é
usada com muita frequência nas Escrituras para representar consolo, alegria,
felicidade e o bem em geral.